Há alguns dias atrás, conversava com um amigo enquanto ouvíamos, juntos, o Velhas Verdades. Ouvimos o disco do início ao fim, sem interrupções, na sala, no aparelho de som. Enquanto ouvíamos, este amigo disse algumas belas palavras acerca do disco, mas o mais importante foi a constatação de algo que eu já suspeitava há algum tempo, e que certamente já passou pela cabeça de algumas pessoas que lêem este blog: nós desaprendemos a ouvir música.
Hoje, com o advento da música digital (ok, não é de HOJE hoje, talvez de uns 10 anos para cá hoje) o ato de ouvir música deixou de ser um “ritual” e se tornou algo tão banal quanto escovar os dentes (para aqueles que os escovam, claro). Com nossos celulares e MP3 players, ouvimos música na ida para o trabalho, enquanto trabalhamos, enquanto fazemos nossas refeições… sempre plugados ao fone de ouvido, inseparável em vários momentos.
Hoje, personagens como Rob Fleming (criado de Nick Hornby no livro Alta Fidelidade, interpretado no cinema por John Cusack com o nome de Rob Gordon – entenderam?) seriam tidas como excêntricas: alguém que coleciona LPs e CDs, é dono de uma loja de discos que só trabalha com raridades e reorganiza sua coleção de tempos em tempos com base em listas e sistemas complexos. Um amante da música, que aprecia a música como quem aprecia um bom vinho.
Hoje não temos mais o hábito de comprar discos, já que poucos dias após seu lançamento (e em alguns casos, até antes) bastam alguns cliques que encontramos os arquivos prontos para serem baixados de forma gratuita. Não vou entrar no mérito da questão da legalidade ou ilegalidade do ato, mas fato é que ouvir música tornou-se algo banal.
Nos celulares, iPods e players da vida, há a maldita função shuffle, que “embaralha” as músicas. É ÓBVIO que você sabe o que é esta função, mas ouça o que eu digo: ela é malígna (ok, exagerei nessa). Claro que é divertido esperar para ver qual faixa vai tocar após a atual, dentre as mais de 10000 músicas do seu player, mas ao fazer isso esquecemos de um pequeno detalhe: os discos (em geral) têm sua ordem de músicas estabelecida com um propósito. No Velhas Verdades, por exemplo, a ordem das músicas não é aleatória, cada uma das nove faixas está na sua posição com uma razão: contar uma história, ou dizer algo a quem ouve. Outro exemplo: ouvir o lado B de Abbey Road, dos Beatles, fora da ordem em que foi colocada no disco tira 75% da diversão da experiência.
Eu sou velho. Ou ao menos eu me julgo assim, especialmente quando reparo que muitas das pessoas que me seguem no twitter têm, em média, 10 anos a menos que eu. Sério, eu também me espantei com isso. Mas voltando ao assunto da velhice, eu sou da época do vinil. Eu tive, em vinil, toda a discografia do Iron Maiden até o disco Fear of the Dark; toda a discografia de Metallica (até o álbum preto), Megadeth (até o Countdown to Extinction) e Slayer (até o Seasons in the Abyss). Ouvi Toquinho, Tom Jobim e Milton Nascimento através dos discos de vinil dos meus pais. Tive inúmeras fitas cassete originais… e sempre o “ritual” era o mesmo: encarte do disco (ou CD ou K7 – sim, eles tinham encarte antigamente!) na mão e música rolando. Não pulava uma faixa, acompanhava a letra de cada música e aprendia a cantar cada uma. Foi assim que aprendi inglês! E foi assim, também, que tomei gosto pela música e decidi aprender a tocar um instrumento.
Hoje a sociedade Fast Food, de consumo imediatista (que já estragou a culinária), tenta estragar também o consumo, ou melhor, a apreciação da música. O imediatismo é tão grande que nos contentamos com qualquer arquivo de baixa qualidade encontrado na net. Mas há algo a ser feito.
Apreciar música é algo prazeroso. Deus não distribuiu dons e talentos musicais à toa: a música é de fato importante para nossa vida, e enquanto cristãos, ela é de suma importância para nossa prática, seja como auxílio à adoração ou ao ensino. Mas isso é outro papo.
Eu peço a você querido leitor, querida leitora, que faça uma experiência. Aprenda a ouvir discos na sequencia em que foram formatados, desligando a tecla shuffle. Ouça uma banda de cada vez, música por música, entendendo o que há por trás das letras, a ordem do disco, a arte do CD / álbum. Nada está lá por acaso. Para fazer isso, não adianta ter pressa, não adianta estar trabalhando, ou com a cabeça em outro lugar. Mesmo que seja necessário dedicar alguns minutos por dia a isso, eu aconselho que você assim faça. Se for ouvir alguma banda cristã, experimente fazer desse o seu momento devocional. Se não, experimente ouvir os instrumentos, os detalhes (na verdade, faça isso sempre). Se não dispuser de tanto tempo para isso, faça esta experiência duas vezes por semana, ou quantas vezes puder. Veja como isso não muda a forma de encarar a música, o disco, o artista.
Tente, também, fazer isso em um lugar tranquilo (seu quarto, por exemplo, se ele assim for). Com fones de ouvido ou não (embora alguns discos ganhem mais vida quando ouvidos alto, sem fones.
Sempre que for possível, adquira música. Sim, compre (e pode começar pelo meu – brinks!). A não ser que seja caro. Não compre se o preço for abusivo. Ninguém deveria ter acesso restrito à música. Veja: não estou incentivando a rebelião, mas concordo que pagar pequenas fortunas em um CD (um produto que às vezes custa menos de R$ 2,00 ao fabricante) é um pouco demais. Sei que no custo final do produto estão incluídos direitos autorais, custos com produção e marketing e etc., mas acho que tem gente viajando um bocado no processo. Mas adquira música. Em muitos casos é bom para o artista (em especial os independentes) e é bom para você também.
Ouça música com mais gente. Sentados em sofás, deitados no chão, acomodados em almofadas… pessoas ouvindo, apreciando e discutindo música só têm a ganhar com a experiência.
Sei que o texto tem um tom um pouco utópico, e que talvez já seja tarde demais para tentar mudar a situação, a forma como consumimos música. Mas eu sei o quanto eu cresci e apurei meu gosto ouvindo música assim, e sei que outras pessoas podem se beneficiar disso. A música, assim como a literatura, nos leva a pensar, a imaginar, nos leva a exercitar nossa criatividade. Ela também pode ser vir para aumentar os laços entre as pessoas, quando deixamos de lado os fones de ouvido e tiramos a poeira das antigas caixas de som dos nossos pais.
É claro que você pode não concordar com o que eu disse aqui, e não espero mudar o mundo com isso. Mas se eu puder beneficiar duas pessoas com essas dicas, ficarei feliz de verdade. Deus fez muito na minha vida através da música (senti o chamado eficaz de Deus para a minha vida ouvindo a banda de heavy metal cristão Stryper – mesmo com toda aquela maquiagem e cabelos exóticos que eles usavam nos anos 80), e continua fazendo, inspirando letras e melodias que, graças a Ele, têm abençoado alguns de vocês. Se Ele fez isso por mim, pode fazer também por você, embora certamente de forma diferente. Mas uma coisa é certa: a música é para o nosso prazer e deleite. Aprenda a desfrutar dela.
Um abraço,
Eduardo Mano
Acho interessante poder baixar os arquivos, mas vejo que existe a necessidade (pra mim quase como uma obrigação) de contribuir com o trabalho de quem fez a música. Prestigiar essa pessoal (ou grupo) pelo trabalho que estou ouvindo. Por isso acho que pirata não presta, pois não cumpre esse papel, e o download é apenas um questão de marketing aceitável. Mas friso, pagar por reconhecimento é o melhor.
Samuel, eu também acho o acesso à música interessante. Incentivo as bandas que “me ouvem” a ceder faixas gratuitamente – creio que essa é uma forma excelente do público tomar conhecimento delas. E acho que se a pessoa gosta, é ótimo quando dá o retorno, financeiro mesmo. Grana ajuda muito. Ajuda a colocxar mais CDs na rua, ajuda no sustento, ajuda em um monte de coisa. Mas sou contra, como disse, abusos.
Curti tua contribuição. 🙂
Perfeito, amigo.
Jeferson, eu sei, eu sei. heheheheh
Fala querido Mano…
É a pura verdade o que citou no texto.
Apesar de ser um de seus seguidores 10 anos mais novo no Twitter, concordo plenamente com você nesse texto e graças à Deus, pelo menos eu, ainda gosto das coisas à moda antiga.
É muito interessante como esse imediatismo musical deturpou a classe dos músicos por aqui. Hoje em dia não se necessita mais fazer música de qualidade, pois ninguém se atenta aos detalhes das cançoes. Hoje se é necessário fazer modinhas, algo estilo Restart (desculpa por citar o nome deles no seu blog, haha) e outros que se dizem músicos e acabam com tudo isso.
É tão gostoso e sublime você pegar um disco do início ao fim e até mesmo mais de uma vez para sentir a letra, a harmonia, a melodia, as linhas adotadas, relação álbum x arte, entre outros que só quem faz pode saber quão boa é a sensação que descrevo.
Parabéns pela iniciativa do post.
Que possamos manter acesa a chama do verdadeiro amor a música em nossas vidas. Que possamos nos comunicar por meio dela e assim prosseguir.
Abração.
Maykel, e aí meu querido, beleza?
Bom ver jovens ainda cultivando bons hábitos. Sei, por nossas conversas, que o que vc tá falando é verdadeiro.
Quanto ao Restart, cara, eles são fruto do mercado. Espero que cresçam e se tornem músicos melhores e tudo mais. 🙂
Eu odeio o shuffle. Mas vale aqui um comentário:
Publique a tracklist de Velhas Verdades. O disco para download está sem as ID Tags e cada vez que dou play nele no winamp as músicas tocam em uma ordem diferente. Eu já montei a minha favorita, mas queria saber qual a ordem real.
Rafael, esse problema do Noisetrade eu não consegui resolver, uma pena.
A ordem correta das faixas é:
Velhas Verdades,
Minha Estupidez,
Raízes,
Bem sei,
Como Ninguém me Conheces,
Tu és Deus,
Mais Chegado que um Irmão,
Quartos Vagos e
Sem Fé.
Qual era a sua? 🙂
Mano,
Grande verdade essa, esses dias estava ouvindo um classico do rock nacional e me lembrei que eu sabia a hora que os toques da guitarra entravam. Não sei se foi porque cresci e hoje tenho muito mais o que fazer, mas meu momento de ouvir musica se foi.
Graças a Deus um habito que não perdi foi o de refletir nas musicas que ando ouvindo (mesmo que seja Iron ou Ozzy), e uma das musicas que andei refletindo foi “Quartos Vagos”. Me lembra um pouco as letras do Larry Norman, que sempre me relembrava que não somos deste mundo: “A vida de verdade Só começa lá”.
Vlw por nos abençoar,
Deus te abençoe
No meu winamp já ficou montadinho assim ó:
verdades eternas
raízes
bem sei
como ninguém
minha estupidez
quartos vagos
mais chegado
tu és deus
sem fé
🙂
Gostei demais desse post, pois, apesar de ser da geração digital, tento quebrar essa lógica do muito fácil que os bits nos proporcionou. Tudo que é muito de mão beijada acaba banalizado.
Nunca comprei tanto disco como em 2010, ano em que mais passei apertado financeiramente, talvez por conta desse consumo musical mesmo.
Criei uma missão de não colocar mais de dois álbuns no player e também fiz o gesto de excluir a minha biblioteca de música alimentada a torrent. Atualmente só tenho 8 álbuns na minha biblioteca.
Li também um post sobre o assunto e estou inspirado a escrever um também. Acho que você vai gostar:
http://mysterytricycle.com/cultivate-close-listening/
Vou fazer um post sobre a minha nova rotina e te linkar. Cara, não sei se já te falei, mas você escreve com muita simplicidade e correção, isso quer dizer: muito bem.
E só mais uma vírgula: não fazemos esse consumo cultural desenfreado só com a música não. Estamos lendo livros correndo, assistindo dezenas de séries ao mesmo tempo, falando com vários amigos em várias janelas do msn, lendo uma porção numerosa de notícias descontextualizadas. Precisamo de um slow nessa nossa rotina.
Bom… falando mais agora que tenho tempo: tenho definido isso comigo a tempos. Apesar de que financeiramente esse ano foi BEM tenso, me sinto feliz, aumento minhas bibliotecas.
Sempre me ative aos detalhes de encartes, mídia física. Sou literalmente um ‘rato’ nesse aspecto. Mesmo pegando a fase dos CD’s. E senti falta disso quando me via enchendo HD de músicas, que mesmo ouvindo atentamente, não me completava pela falta da mídia.
Esse ano mesmo, tive uma bela surpresa ao adquirir meu Rock Band Unplugged do PSP. No manual, todos os detalhes. Músicas dos anos 60 – 90 perfeitas, remasterizadas com altíssima qualidade. Dados completos das músicas, gravadoras, enfim, no mínimo soberbo. E quase levando as lágrimas ao relembrar a minha adolescência. 😛
Concordo com a parte dos abusos – é ferrenho pagar um valor absurdo por cultura, algo que deveria ser acessível.
E pra finalizar – NUNCA ouço ou ouvi nada em shuffle! NUNCA!!! #victorious 🙂
O segundo comentário do Thiago Bomfim é muito pertinente. Tenho reparado essa correria e também estou em um estilo de vida mais slowmotion. Isso me permitiu aprofundar relações com a família, ler entrevistas/reportagens/livros com mais profundidade e digerir novamente velhos discos que não sabia serem tão valorosos.
🙂
Belo post. Daqueles pra guardar e reler.
Ando pensando muito sobre isso. As vezes acho que escuto musica demais, e to ainda fazendo muito download. Mas lembro como era bom da época que comprava CDs (até hoje tenho uma boa coleção) e ficava esperando por eles na expectativa de escutar (sempre comprei pela net, dificil encontrar por esses lados).
Hoje é complicado, ao mesmo tempo que estou escutando algo estou digitando aqui.
Mas estou tentando me policiar mais. O que faço é comprar, quando possivel como tu disse, aqueles albuns que quero ter.
Valeu o post e a lembrança.
Olá querido Eduardo!
Perfeito! Esse post me fez refletir muito sobre algo que eu nunca tinha pensado antes. Nunca, nunca mesmo vi a música ou desfrutei dela dessa forma.
Pode ter certeza que hoje faço parte das pelo menos duas pessoas que foram beneficiadas pela sua vida 🙂
Glória a ELE sempre!
Muito bom o texto e a reflexão, muito pertinente o comentário do Bonfinho sobre a forma que essa geração tem lidado com a vida.
Eu ando numa fase um pouco esquisita, mas mesmo quando eu gosto de apenas uma música, eu procuro ouvir o disco inteiro. Aliás, tem fases né? No começo a gente se apaixona por uma música, depois de meses descobre um significado pessoal numa outra faixa.
Mas o meio tem mudado o artista também, se não me engano o Radiohead já anunciou que não vai mais fazer um album no sentido clássico, com começo meio e fim. Uma pena.
Já ouviu falar do No Music Day? É uma proposta absurda, mas de repente tempos absurdos como os nossos requerem medidas absurdas. Muito embora o criador desse dia tenha no mínimo um parafuso a menos 🙂
Abraço!
Mano,
Sendo redundante: Excelente.
Peno da mesma forma.
Grande abraço!
na verdade, seria penSo da mesma forma…
= )
Verdadeiro mesmo! Me trouxe à mente boas audições de discos no passado! Me influenciou!
Eu concordo plenamente.
Antes eu gostava de escutar assim, no shuffle. Era mais legal, você não sabia que música ia escutar depois e, caramba, “um cd inteiro nunca tem tudo bom”, como diria um amigo.
E com meus 21 aninhos, este “tempo atras” era há 3 anos. Eu não tinha uma banda preferida, não tinha um artista que gostava muito, não queria saber do nome ou da história do artista X ou Y.
Um dia uma namorada me apresentou a banda MEW, um grupo islandês (ou finlandes, ou das terras geladas do norte da europa). Ela me mostrou uma ou duas músicas e eu adorei. Não fui mais atrás. Em uma viagem ao Canadá eu me deparei com o album das duas fantásticas faixas e, por míseros 20 reais, o comprei.
E foi o meu primeiro êxtase musical.
Eu pus o tal CD no computador, para ripar as músicas, e comecei a escutar. E assim foi, UMA POR UMA, congelado em frente ao PC, escutando. Depois de ouvir TUDO, fui dormir (já era tarde), e no dia seguinte, repeti a dose com AS LUZES APAGADAS.
Por mais exagerado que seja esse relato, foi aí que eu vi que tem CDs que são uma obra de arte por sua continuidade. Ao estudar semiótica na faculdade, aprendi que, segundo Alberto Eco, a obra não pode ser fechada, tem que ser aberta, para múltiplas interpretações. No caso supracitado eu discordo em partes. Por mais que a faixa do tal CD possa ser escutada singularmente, o álbum foi criado para ser comido, bebido, na ordem. Entrada, prato principal, sobremesa.
Chega de tagarelar.
MEW – And The Glass Handed Kites – é o album que escutei. Depois desse, comecei a baixar o CD de todas as faixas que tinha – e desculpem-me, baixei mesmo, não dá pra comprar um CD da europa por aqui – e escutei tudo o que achava bom. Muitos eu deletei sem dó, mas a maioria eu mantive. Outro CD que me fascinou foi o Deloused In The Comatorium, do Mars Volta. Ele é um disco que começa e termina e você nem percebeu.
Hoje tenho alguns CDs que fizeram minha cabeça PENDURADOS na parede do meu quarto. Eles não são só discos, são obras de arte. São quadros pintados para serem lidos em ordem normal, em ordem aleatória e inversa, com uma condição: em sua totalidade.
Enfim, curtam a música como uma refeição: Eu posso dizer que um ovo frito é gostoso, que um lanche com bacon é delicioso… mas você só vai saber quando provar.
Caraca, o Angelo mandou muito bem no comentário….
Walter, o comentário do Angelo foi tão bom que ainda tô com medo de responder e não fazer juz ao mesmo. Um belo “testemunho”.
es La Primera Vez q entro a la pagina … REALMENTE ante Es Un Muy buueno EJEMPLO Para Loos
jovenes..mas párrafo, uno, q Quiere Trabajar párr El Reino ..
que lind ……….. y re sencilo ..buen trabajo ..Dios llos bendiga