Muito é falado a respeito dos hábitos, como adquiri-los ou perdê-los. Inúmeras lendas urbanas afirmam que podemos adquirir hábitos se os mantivermos por 30 dias consecutivos, mas os estudos científicos conhecidos dizem algo diferente. Na década de 1950, o Dr. Maxwell Maltz, um cirurgião plástico, percebeu que seus pacientes levavam, em média, um mínimo de 21 dias para acostumarem-se com as mudanças realizadas em seus corpos. Isso fez com que Maltz publicasse um livro na década de 1960, intitulado “Psico-Cibernética: Uma nova maneira de extrair mais vida da Vida” (em Português, o livro saiu com outro título). Dr. Maltz é considerado por muitos o precursor da auto-ajuda (o que, creio, desqualifica seu trabalho como científico).
Em 2009 uma equipe liderada pela Dra. Phillippa Lally realizou nova pesquisa sobre o mesmo tema e identificou que, em média, são necessários 66 dias para que novos hábitos sejam adquiridos (sendo que, dentro do grupo pesquisado, alguns indivíduos levaram 18 dias, enquanto outros levaram 254 dias). O estudo foi conduzido dentro do programa de pós-doutorado da University College London e publicado no European Journal of Social Psychology.
Lidamos com hábitos diariamente. Alguns têm o hábito de tomar café logo que acordam, outros fazem exercícios. Alguns fazem sua leitura devocional pela manhã, outros à noite. Há famílias que realizam o culto doméstico semanalmente enquanto outras, diariamente. De fato, hábitos são adquiridos com o tempo, com a repetição, no dia a dia.
E então somos todos surpreendidos com um vírus que assola todo o globo e nos obriga à reclusão. Famílias são divididas, amigos separados, netos não podem visitar seus avós. Termos em inglês, como home office e homeschooling, passam a fazer parte do cotidiano de boa parte da população, em quase todos os países. Igrejas têm suas portas fechadas por tempo indeterminado. Tudo isso no esforço de frear a expansão de um vírus que não discrimina seus hospedeiros, e é implacável para uma grande parcela da população.
Há muitas coisas que temos sido forçados a aprender em muito pouco tempo. Temos chorado com os que choram (o número de mortos aumenta a cada dia – e ainda vai aumentar). Temos aprendido a viver em casa (já que muitos de nós passávamos a menor parte de nossos dias em casa). Igrejas têm aprendido a transmitir na internet, de uma forma ou de outra, mensagens ou pequenos momentos de louvor para que seus membros possam assistir enquanto estão reclusos. Creio que as lições que levaremos deste momento serão preciosas para que no futuro saibamos agir com mais rapidez a problemas como este.
Entretanto, o isolamento também revela o que há de pior em nós. Casos de violência doméstica têm aumentado. Na China, os números de divórcio aumentaram substancialmente após a quarentena, uma vez que os casais simplesmente não sabiam como conviver por tanto tempo juntos (e não duvido que veremos algo semelhante por todo o mundo). Há especulações quanto ao eventual aumento na taxa de suicídios, uma vez que a diminuição da renda e o desemprego chegarão a boa parte da população.
Como Igreja, há muito o que devemos fazer para que estes tempos tenebrosos sejam recortados com a Luz do Evangelho. A Igreja deve ser o Farol que, em meio à escuridão, guia uma sociedade sem rumo para o caminho seguro. A boa utilização das redes sociais e dos meios de comunicação virtuais será o nosso campo. Precisamos usá-lo com sabedoria, de forma que o Nome de Cristo seja dignificado, honrado e tornado ainda mais conhecido através de nossas ações.
Mas há um fantasma que ronda este período incerto de quarentena e isolamento. O perigo do hábito. O perigo do conformismo e da acomodação. E creio que este é um tema que merece a nossa oração desde já: como será a frequência às nossas igrejas uma vez que tudo voltar ao normal, ou pelo menos a um nível em que seja minimamente seguro abrirmos nossas portas para receber as congregações? Qual será a resposta de milhões de cristãos, em todo o mundo, à quebra do hábito adquirido de “consumir igreja” através de uma tela, no conforto de sua sala?
Em Hebreus 10.25, lemos as seguintes palavras:
“Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas encorajemo-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês vêem que se aproxima o Dia.”
O contexto que antecede essa passagem é, resumidamente, que Cristo adquiriu, de uma vez por todas, todos os benefícios que a Lei não conseguia. Cristo, como perfeito sacerdote, ofereceu o sacrifício perfeito por todos nós. Isso seria suficiente para que, na cabeça de alguns, não fosse mais necessário que nos apresentássemos diante de Deus como assembléia, uma vez que através de seu único e perfeito sacrifício, Cristo aperfeiçoa todos os que estão sendo santificados (Hb.10.14). O próprio Espírito testifica, dizendo-nos que nossos pecados não seriam lembrados (Hb.10.17). Qual a necessidade, então de irmos à igreja?
Temos a resposta a esta pergunta nos versos 19 a 24 de Hebreus 10. Se temos um novo e vivo caminho aberto à nossa frente, mérito de tudo o que Jesus fez para a glória de Deus e por nós, devemos deixar de lado a acomodação e ir em direção a Ele. Primeiro pela Esperança que temos em nosso coração, fruto da redenção recebida: a Esperança de que estaremos, um dia, face a face com Cristo, e O conheceremos plenamente, como somos conhecidos (1Coríntios 13.12). Essa Esperança nos leva a manter um relacionamento com Cristo aqui na terra, sabendo que ele será ainda mais profundo e íntimo na Glória.
O segundo motivo é este: “E consideremo-nos uns aos outros para incentivar-nos ao amor e às boas obras” (Hb 10:24). Devemos congregar pois necessitamos do incentivo de outros irmãos. Necessitamos do contato, das experiências, do levantar as mãos juntos, do dobrar os joelhos unidos. Necessitamos até mesmo dos problemas que surgem quando pecadores convivem juntos. Pois “assim como o ferro afia o ferro, o homem afia o seu companheiro” (Pv. 27.17). E é por isso que o autor de Hebreus conclui este longo trecho com o conselho de que não deixemos de reunirmo-nos como Igreja.
E por isso, creio, e humildemente digo, que não deveríamos chamar nossas transmissões de cultos online. Podem ser mensagens, claro. Pode também ter louvor, claro. Mas serão apenas reuniões. A prática do culto requer que adoradores, cheios da esperança que foi depositadas em seus corações pelo Espírito, entrem confiantemente na presença de Deus, unidos, um só corpo, com todos os problemas e maravilhas que ajuntamentos podem nos trazer, na certeza de que cada conversa, cada oração, cada momento é utilizado por Deus para afiar-nos uns aos outros.
Devemos orar para que Deus traga incômodo aos membros de nossas igrejas. Um santo incômodo de, no primeiro domingo em que estivermos livres para nos reunirmos, sairmos todos de nossas casas para a assembleia solene que é a reunião dos simultâneamente justos e pecadores na presença de Cristo Jesus. E que cada um de nós tenha um salmo em nossos lábios, cantando “alegrei-me quando me disseram: vamos à casa do Senhor” (Salmo 122.1).
Que O Senhor esteja conosco.
Dudu, quando comecei a ler, pensei que fosse relatar como estão as coisas aí em Portugal. Mas fui surpreso, como sempre (e estranho seria se nao fosse assim).
Inicalmente aqui no RJ (Bangu), fiquei surpresos com os extremos cuidados VS extremas imprudências das pessoas. Mas depois comecei a refletir sobre a importância de vivermos verdadeiramente o que a Bíblia nos ensina, e que não é nada fácil.
Bela reflexão sobre “culto” online, que Deus continie guardando vocês aí, irmão.
PS: esse negócio de lembrar de ir no único blog que acompanho é muito novo pra mim, esqueço em diversos momentos (essa rotina que consome umas 15 horas diárias). Mas é isso, lembrei, li, e me ajudou muito.